LEISHMANIOSE – Eutanásia ou Tratamento?

30/07/2009 at 03:36 (Artigos)

Acho que todos já ouviram falar, mas vale a pena ler esse artigo retirado da revista Anclivepa São Paulo (ano XXI- Nº 63). O texto é bem longo. Quem já estiver atualizado e, mesmo sem ler, quiser comentar, fique a vontade.

Juh ;*

 

 

A proibição do tratamento de cães positivos para Leishmaniose com produtos de uso humano e a recomendação e a recomendação da eutanásia desses animais dividem opiniões. Poder público e médicos veterinários falam sobre o assunto para tentar sanar este que é um dos grandes problemas de saúde pública do país.

Em 2008, o estado de São Paulo registrou 346 pessoas com leishmaniose. Foram 26 mortes de acordo com dados do Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo. Até o dia 26 e abril deste ano, já foram registradas 35 pessoas infectadas e três falecimentos. As cidades que apresentam maior incidência são Araçatuba, Bauru, Birigui e Dracena. Ainda neste ano, a cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul, foi sede de 86 casos positivos em cães e quatro em humanos.

“A leishmaniose visceral americana está em expansão no país, assim como no estado de São Paulo. O aumento do número de casos é decorrente da ‘urbanização da doença’ e à sua chegada aos grandes centros” explicou a Dra. Vera Lucia Camargo-Alves, consultora técnica do Centro de Vigilância Epidemiológica Professor Alessandro Vranjac, órgão ligado à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. De acordo com a Dra Maria de Lourdes Reishmann, pesquisadora do instituto Pasteur, a doença está também ligada a áreas de desmatamento, expansão de cidades e à necessidade de criação de novas estradas. Um exemplo recente é o grande desmatamento oriundo da construção do Rodoanel em São Paulo.

A Leishmaniose Visceral Canina (LVC) forma mais grave da chamada Úlcera de Bauru ou Calazar, é uma zoonose importante que divide opiniões de veterinários, de organizações não governamentais e do poder público. De continuidade crônica, a doença esplenomegalia, hepatomegalia, acessos de febre intermitente e perda de peso. Causada por um protozoário do gênero Leishmania, é transmitida através da picada de um mosquito Flebotomíneo (Lutzomyia longipalpis) (vetor) que mede de 2 a 3 mm e que é conhecido popularmente como mosquito de palha, tatuquira ou birigui. O cão e o homem são hospedeiros definitivos do protozoário.

Ainda não há registros de cães infectados ou da ocorrência de enzootia canina na capital. Porém o fato de várias regiões próximas registrarem a doença é um alerta. “Quando descobrem que há um cão doente, as pessoas começam a migrar, mudam de cidade ou doam o animal para outra pessoa. O que faz com que a doença e espalhe para outras regiões”, explica Dra. Maria de Lourdes.

De acordo com a Dra. Vera Lucia Camargo-Alves, a principal medida em relação a qualquer doença de transmissão vetorial é a higiene. “A limpeza de quintais e de terrenos para evitar o acúmulo de matéria orgânica e aumentar a incidência do sol são medidas simples que ajudam a controlar o flebotomíneo, interferindo diretamente no ciclo de sua fase larvária”, alerta.

Para a Dra. Maria de Lourdes, há importante dificuldade de controle da fase da larva do mosquito. “ No caso da dengue, a fase larvária se dá em água parada, o que em tese é mais fácil de ser encontrada e controlada. Um mosquito que se reproduz em qualquer lugar que tenha matéria orgânica torna tudo muito mais difícil”, completa ela.

“Quando descobrem que há um cão doente, as pessoas começam a migrar, mudar de cidade ou doam o animal para outra pessoa. Isso faz com que a doença se espalhe para outras regiões.”

Além de limpeza, em áreas de transmissão com incidência de casos humanos acima de 2,4 casos por 100 mil habitantes, é indicado o controle químico através de inseticidas, especialmente no período de aumento da densidade do vetor ( antes e depois dos períodos de chuva). Muitas vezes, porém, esses produtos não são diluídos e aplicados de maneira correta, o que torna sua eficácia duvidosa. Além disso, a Dra. Maria de Lourdes ressalta os prejuísos que esses materiais podem causar ao meio ambiente, por não matarem somente o mosquito palha, mas também muitos outros insetos que fazem parte do ambiente.

As duas drogas recomendadas pelo Ministério da Saúde  para tratamento da doença são Antimonial Pentavalente e a Anfotericina B, nas formulações Desoxicolato sódico e Lipossomal, esta última com custo mais elevado em relação à outra.

Além dos graves problemas ligados à saúde pública, a doença também é a fonte de vários problemas sociais. Nas cidades em que há muitos casos de leishmaniose, a população tem medo, pois muitos já viram conhecidos sofrerem com a doença. O parasita se alimenta principalmente de partes moles do organismo, em especial cartilagens. Daí surgem casos de segregação e preconceito já que a pessoa infectada pode perder partes da orelha e do nariz, por exemplo.

Mas a questão mais polêmica em discussão, atualmente no meio veterinário envolve o tratamento e eutanásia dos cães positivos, considerados os mais importantes reservatórios do protozoário. Por apresentarem amplo parasitismo cutâneo quando infectados, tornam-se fonte volumosa de transmissão do agente para o vetor, agindo como indivíduos mantenedores do ciclo da doença.

O Ministério da Saúde recomenda que, em áreas de transmissão, sejam implementados inquéritos censitários e a eutanásia do cão infectado. Além disso, o Ministério proíbe o tratamento da leishmaniose visceral canina com produtos de uso humano ou produtos não registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ( Portaria Interministerial No 1.426, De 11 de julho de 2008).

A Dra. Vera Lucia ressalta que “não há até o momento, qualquer fármaco ou esquema terapêutico que garanta a eficácia do tratamento para cães nem a redução do risco de transmissão da doença. Além disso, há o risco de que cães em tratamento se mantenham como reservatório e fonte de infecção, uma vez que não existe cura parasitológica, mas somente a cura clínica”, explica.

“Os animais podem, ainda apresentar recidiva que exija novos tratamentos com doses cada vez maiores , o que levaria o risco de seleção das cepas resistentes aos medicamentos disponíveis para o tratamento humano” completa ela. Ela afirma ainda que não há evidências científicas da redução ou interrupção da transmissão e que não existem medidas eficientes que garantam que o cão em tratamento não continue espalhando o protozoário.

Entre os clínicos veterinários, contudo, as opiniões divergem. O Dr. Vitor Márcio Ribeiro, por exemplo, defende o tratamento dos animais positivos. “ O tratamento da leismaniose visceral canina é amplamente divulgado na literatura científica. Existem vários protocolos divulgados em congressos nacionais e internacionais. Na Europa, os cães são tratados rotineiramente e com o apoio do poder público”, defende Vitor.

De acordo co Ribeiro, as diversas formas de tratamento estão publicadas em revistas científicas e o procedimento é para a vida toda do cão. Raros casos são suspensos, quando ocorre a cura plena. “O animal tem cura clínica, embora permaneça infectado. Duas teses recentes defendidas no Brasil ( São Paulo e Minas Gerais) demonstram que cães tratados reduzem drasticamente seu parasitismo cutâneo. Desta forma a transmissibilidade fica reduzida.”

O custo do tratamento, segundo Ribeiro, dependerá do tipo de protocolo. “Creio que o tratamento inicial da LVC, de forma geral, varia entre 600 a 2.000 reais”, explicou Ribeiro.

Os defensores do tratamento dizem que a eutanásia é uma edida complementar no conjunto de atividades conta a doença. Somente animais em estágios graves e sem condições clínicas de tratamento deveriam ser sacrificados.

Contudo, para Maria de Lourdes além do fato da cura não ser comprovada, o custo é o principal ponto do tratamento. “ Quem irá pagar a vida toda, por um tratamento caro para o cachorro? Quando a doença é com um ser humano, as pessoas já se encontram em uma situação delicada, imagina quando isto cai sobre um animal”.

Para Ribeiro, porém, não se pode julgar ou querer prever a capacidade de cada pessoa para pagar um tratamento de seu pet.

“É um tratamento comparável a qualquer procedimento médico veterinário”, explica ele.

Quanto aos métodos preventivos, além do uso dos inseticidas, o colar impregnado com deltametrina 4% tem demonstrado capacidade de evitar as picadas dos flebotomíneos, através de seu efeito letal e repelente. Segundo Ribeiro, o colar apresentou resultados excelentes  em vários países onde foi estudado. A Dra. Maria de Lourdes enfatiza, porém, que esta não é uma medida que soluciona o problema, pois o colar tem que ser trocado a cada quatro meses e não existe garantia de que o proprietário fará a troca recomendada de um produto que tem um custo aproximado de R$ 50,00.

Quanto às vacinas preventivas, seu uso está indicado para cães a partir de quatro  meses de idade e consiste de três doses intervaladas por 21 dias e reforço anual a partir da data da primeira aplicação.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) registrou em 2003 uma vacina canina para leishmaniose visceral. Estudos experimentais apontam para uma eficácia vacinal de 76% para quadros clínicos moderados a graves da doença nos cães. Entretanto, as evidências científicas até o momento disponíveis não fazem referência clara ao efeito da vacina na prevenção da infecção ou sobre a capacidade do cão vacinado transmitir o protozoário ao vetor. Vale lembrar que somente animais comprovadamente negativos para leishmania podem ser vacinados.

A prevenção da infecção dos cães e transmissão do parasita é condição imprescindível para que a vacina possa auxiliar na estratégia de controle da leishmaniose visceral humana,. Além disso, ainda não é possível diferenciar a ‘infecção’ natural daquela provocada pela vacinação, ( através dos testes imunológicos disponíveis no mercado, bem como nos Laboratórios de Saúde Pública (LACEN) e Centro de Controlo de Zoonoses (CCZ)), o que pode dificultar as ações da vigilância e controle da doença.

Ao clínico veterinário cabe a responsabilidade de orientar proprietários de aniamis quanto à prevenção. Além disso, ao diagnosticar um animal com sintomatologia suspeita e compatível com Leishmaniose, tem por obrigação notificar a autoridade sanitária e , conforme o preconizado pelo conselho Federal de Medicina Veterinária, esclarecer o dono sobre o risco de um cão infectado para os outros animais, para a família e para a comunidade. O Ministério da Saúde recomenda ainda que, havendo confirmação da leishmania pelos órgãos competentes, o cão deve ser eutanasiado.

De acordo com Ribeiro, que integra a comissão científica da Anclivepa de Minas Gerais, é importante que o clínico conduza o caso com o respeito que cada animal merece e trabalhe sempre com base na literatura científica.

Quanto à responsabilidade dos órgãos governamentais em relação a leishmaniose, tanto em sua forma visceral (LVA), tanto na forma cutânea (LTA), a execução das atividades de maior complexidade e de ações complementares.

A questão que sempre envolve ações do poder público junto à população esbarra nas tênues linhas que separam a obrigação, a orientação e cooperação. Para que haja um controle efetivo na disseminação é necessário antes de mais nada que os dados epidemiológicos sejam confiáveis para s mapas das regiões endêmicas estejam sempre atualizados com dados verdadeiros.

O risco da proibição de tratamento e da imposição da eutanásia de animais reside aí. Afora discussões de foro ético que tangenciam a morte impositiva de animais, há uma importante dificuldade de transpassar o medo que se cria nas pessoas quando têm que notificar uma doença eu leva à eutanásia compulsória.

No ímpeto de salvaguardar seu animal de estimação, as pessoas podem omitir sintomas e impedir um diagnóstico correto. Como então montar um mapa epidemiológico confiável desta maneira? Países como a Espanha reduziram essa dificuldade passando a fornecer e monitorar o uso de medicamento  para tratamento dos cães positivos. Conseguiram, assim, aumentar o número de notificações e passaram a ter mais controle sobre os casos confirmados da doença.

Reportagens: Graziela Sirtoli

Texto e revisão: Graziela Sirtoli e Daniel Ferr

1 Comentário

  1. jnhanharelli said,

    É legal saber que países da Europa permitem o tratamento, mas será que isso dá certo aqui no Brasil?

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